A Câmara dos Deputados desembolsa mais de R$ 1 bilhão por ano em salários, gratificações e auxílios de cerca de 10 mil secretários parlamentares cuja jornada de 40 horas semanais não é registrada por qualquer sistema oficial de presença.
Esses assessores, contratados diretamente pelos 513 deputados, representam aproximadamente 69% do quadro da Casa e podem atuar em Brasília ou nos estados de origem dos parlamentares. O único documento que comprova a frequência é um relatório assinado pelo próprio gabinete, enviado mensalmente ao setor de Recursos Humanos. Se não houver informação de falta ou licença médica, o sistema considera automaticamente que a carga horária foi cumprida, sem detalhar horários ou atividades.
O valor desembolsado para essa categoria atingiu recorde durante a gestão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Em 2024, a despesa somou R$ 1 bilhão; nos seis primeiros meses de 2024, foram R$ 486,4 milhões, montante que avançou para R$ 539,2 milhões no mesmo período de 2025 — alta de quase 11%.
Desde 2015, existem totens de biometria espalhados pelos prédios do Legislativo, porém o registro é obrigatório apenas para servidores em cargos de natureza especial (CNE), lotados na Mesa Diretora, comissões e lideranças partidárias. Para secretários parlamentares, a marcação ocorre somente para contabilizar horas extras em sessões noturnas às terças e quartas-feiras.
Cada deputado dispõe, mensalmente, de R$ 133 mil para contratar de cinco a 25 secretários. Os vencimentos variam de R$ 1.584,10 a R$ 18.719,88, acrescidos de auxílio-alimentação de R$ 1.393,11 e outras gratificações. Nos estados, onde muitos desses servidores atuam, a Câmara não exige qualquer mecanismo de controle de presença. Alguns parlamentares nem mantêm escritório regional, o que dificulta comprovar prestação de serviço.
A ausência de fiscalização já expôs casos de funcionários que nunca compareceram ao trabalho ou acumulavam atividades alheias ao Legislativo. No gabinete de Hugo Motta, investigações identificaram três assessoras nessa situação. Uma fisioterapeuta atendia em clínicas de Brasília quatro vezes por semana; outra servidora atuava simultaneamente como assistente social de uma prefeitura na Paraíba; ambas foram exoneradas após a divulgação das informações. A terceira, Louise Lacerda, estudante de medicina e parente de aliados políticos de Motta, permanece lotada no cargo, mesmo residindo parte do tempo no Rio Grande do Norte.
Denúncias de “rachadinhas”, contratação de parentes de aliados em troca de apoio eleitoral e uso de servidores pagos pela Câmara para funções privadas, como serviços domésticos, também são recorrentes. Um projeto relatado em 2019 pelo deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) propôs tornar obrigatório o ponto eletrônico em todos os Poderes, mas o texto segue parado desde a aprovação na Comissão de Trabalho.
Apesar de adotar discurso de austeridade e cobrar redução de despesas do Executivo, Motta não apresentou medidas para ampliar o controle sobre os servidores dos gabinetes. Um grupo de trabalho comandado por Pedro Paulo (PSD-RJ) discute reforma administrativa, mas o relatório inicial não inclui exigências de presença eletrônica para assessores. Segundo o coordenador, muitos desses funcionários realizam atividades externas, como visitas a prefeituras ou acompanhamento de obras viabilizadas por emendas parlamentares, o que dificultaria a implantação de ponto fixo.
A responsabilidade por propor mudanças na fiscalização cabe à Primeira Secretaria da Câmara, dirigida por Carlos Veras (PT-PE), que não se manifestou sobre eventuais iniciativas. Integrante da Mesa Diretora, o deputado Sérgio Souza (MDB-PR) afirmou que o colegiado concentrou esforços em processos disciplinares contra parlamentares e, por isso, ainda não discutiu novas regras para gabinetes.
Questionada, a assessoria institucional da Câmara não explicou por que mais de dois terços dos servidores estão dispensados do ponto eletrônico. O presidente Hugo Motta, por sua vez, declarou apenas que exige o cumprimento das obrigações pelos ocupantes de seus cargos e que as condições de trabalho remoto seguem as normas vigentes.
Enquanto isso, os gastos continuam a crescer, sustentados por um sistema de controle facultativo que permite que a maior parte dos recursos seja destinada a servidores cuja efetiva presença ou atividade para o Legislativo permanece sem comprovação oficial.
Fonte: Folha de S.Paulo

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