Campanha global contra a poliomielite enfrenta falhas graves no Paquistão e Afeganistão

A iniciativa internacional para erradicar a poliomielite, em curso desde 1988, atravessa um dos momentos mais críticos no Paquistão e no Afeganistão, os dois únicos países onde a transmissão do vírus selvagem nunca foi interrompida. Depois de chegar a registar apenas cinco casos em 2021, o número subiu para 99 no último ano, colocando em causa vários prazos internos já falhados para eliminar a doença.

Problemas no terreno comprometem vacinação

Trabalhadores de saúde relatam falsificação de registos, escolha de pessoas sem formação para administrar as doses e falhas no armazenamento a frio dos frascos. Em várias zonas, equipas deixaram de percorrer todas as casas durante as campanhas em massa, enquanto autoridades locais interferiram na seleção de vacinadores, substituindo profissionais por familiares menores de idade ou analfabetos.

Numa região do Afeganistão, um relatório interno de 2017 indicava que metade da área prevista não foi coberta e 250 famílias ficaram sem qualquer visita em dois anos. No Paquistão, vacinadores admitem receber instruções para colocar tinta no dedo das crianças — sinal de que teriam sido imunizadas — mesmo quando as gotas não foram administradas.

Resistência social, insegurança e desinformação

Portas fechadas, chefes de família ausentes e boatos sobre a esterilização de crianças dificultam o trabalho das equipas porta a porta. A campanha já perdeu mais de 200 profissionais e agentes de segurança desde a década de 1990, vítimas de ataques de militantes que associam o programa a interesses estrangeiros.

Habitantes de zonas rurais questionam por que razão o foco recai na poliomielite quando faltam serviços básicos, como água limpa, medicamentos ou eletricidade. Alguns preferem trocas de bens essenciais a novas rondas de vacinação, e há protestos frequentes a exigir outras respostas sanitárias, nomeadamente para sarampo ou tuberculose.

Vacina oral continua indispensável, mas gera debate

A vacina oral, usada em mais de três mil milhões de crianças e considerada fundamental para alcançar a imunização em massa, tem efeitos adversos muito raros. Estima-se que um em cada 2,7 milhões de primeiros reforços possa provocar paralisia associada ao vírus atenuado presente nas gotas. Sempre que as taxas de cobertura ficam abaixo dos 95 %, o vírus vacinal pode sofrer mutações e desencadear surtos entre não imunizados: nos últimos anos foram notificados centenas de casos desse tipo, sobretudo em África e no Médio Oriente.

Apesar das críticas, responsáveis do programa defendem que não há alternativa imediata. A versão injetável, sem vírus vivo, é mais cara, requer equipas treinadas e não existe em quantidade suficiente para substituir totalmente a fórmula oral.

Orçamento elevado e pedidos de mudança de estratégia

Com um financiamento anual perto de mil milhões de dólares e mais de 20 mil milhões já investidos, a Iniciativa Global de Erradicação da Poliomielite enfrenta pressão crescente por resultados. Especialistas ligados a entidades internacionais alertam para falta de responsabilização e insistência em métodos que não respondem às dificuldades actuais. Alguns pedem inquéritos independentes às falhas, sobretudo depois de uma alteração na composição da vacina oral em 2016 ter originado surtos em mais de 40 países.

O director do programa de poliomielite da Organização Mundial da Saúde, Jamal Ahmed, reconhece “desafios operacionais”, mas sublinha que três mil milhões de crianças foram protegidas e estima interromper a circulação do vírus selvagem nos próximos 12 a 18 meses. O novo objectivo oficial para a erradicação global foi fixado em 2029.

Metas imediatas para 2024

Este ano, as equipas planeiam vacinar cerca de 45 milhões de crianças no Paquistão e 11 milhões no Afeganistão, cada uma necessitando de quatro doses para proteção completa. Atingir essas metas implica superar obstáculos logísticos, garantir a segurança dos trabalhadores e reconquistar a confiança das comunidades.

Enquanto persistir uma única infecção, a Organização Mundial da Saúde alerta que qualquer criança no mundo continua em risco. A erradicação da poliomielite exige “perfeição quase absoluta”, mas, segundo vários intervenientes no terreno, o programa ainda está longe desse patamar.

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