Delírio, produção colombiana que entrou para o catálogo global da Netflix, alcançou rapidamente o Top 10 em várias regiões. A série de oito episódios acompanha um professor que regressa a casa e encontra a esposa num estado mental crítico, desencadeando uma investigação pessoal que o leva a confrontar segredos familiares e episódios históricos da Colômbia. Apesar de se inspirar em acontecimentos verosímeis do país nos anos 1980, a narrativa não deriva de factos documentados, mas sim do romance homónimo publicado em 2004 por Laura Restrepo.
Adaptação literária sem base factual
O enredo transporta para o ecrã a obra de Restrepo, reconhecida pela crítica pela forma como combina drama psicológico e contexto social. No livro, a autora levanta a questão sobre até que ponto é possível manter a sanidade num ambiente dominado pela violência e pela corrupção. A série preserva esta premissa, mas reforça desde o primeiro episódio que se trata de ficção.
Restrepo construiu a personagem principal, Agustina, como uma mulher marcada por traumas infantis e por um alegado envolvimento com Pablo Escobar. Esses elementos, embora verossímeis, são fruto da imaginação da autora. A Netflix manteve a referência ao narcotraficante para enquadrar o período histórico, mas não reivindica qualquer relação directa com acontecimentos comprovados. Deste modo, Delírio posiciona-se como uma obra de ficção que recorre a figuras e situações reconhecíveis apenas para intensificar o conflito dramático.
Estrutura narrativa fragmentada
A acção alterna entre a década de 1980 e o ano de 2024, técnica que permite cruzar as origens do trauma de Agustina com as consequências no presente. A montagem não linear conduz o espectador por pistas que, por vezes, se revelam falsas, reforçando a sensação de insegurança que o protagonista sente ao tentar reconstruir a história da mulher. O argumento mantém o foco na deterioração mental de Agustina e no impacto sobre o casal, sem abandonar referências ao universo político e social da Colômbia.
Com duração média de 50 minutos por episódio, a produção usa diálogos curtos e cenas de tensão para explorar temas como violência doméstica, pressões familiares e heranças de regimes de terror. Ao mesmo tempo, recorre a flashbacks para mostrar a infância das personagens e explicar comportamentos actuais. A série evita idealizações: apresenta vítimas e culpados num mesmo ambiente, realçando a complexidade dos laços afectivos.
Sucesso de audiência contrasta com avaliação crítica
Dados internos da plataforma indicam 2,2 milhões de visualizações e 12,3 milhões de horas reproduzidas na semana de estreia, números que colocaram Delírio entre os programas mais vistos em 32 países. Esta adesão do público foi suficiente para impulsionar discussões nas redes sociais sobre os temas abordados e sobre a fidelidade à obra literária.

Imagem: tecmundo.com.br
Nos agregadores de crítica especializados, o cenário é menos unânime. O Rotten Tomatoes regista apenas 40 % de avaliações positivas de meios profissionais. Publicações como Decider e Screen Rant realçam a capacidade do elenco para sustentar um enredo denso, enquanto Ready Steady Cut considera que a série falha na gestão dos assuntos que pretende denunciar. Já o Digital Mafia Takes aponta as interpretações de alguns actores como o principal factor de interesse, classificando a realização como irregular.
Permanência no catálogo e impacto cultural
Embora ainda não exista confirmação oficial sobre uma segunda temporada, a resposta do público sugere potencial para prolongar a narrativa. Caso avance, a continuidade dependerá da forma como os argumentistas planearem expandir um material originalmente concebido para um único volume literário. Por enquanto, a primeira temporada funciona como arco fechado, concentrado no desfecho da investigação do marido de Agustina e nas revelações sobre a família dela.
Para além dos números de audiência, Delírio reacendeu o interesse internacional pela obra de Laura Restrepo, cujos livros começam a registar novas edições em várias línguas. Esta visibilidade confirma a tendência das plataformas de streaming para transformar títulos literários regionais em fenómenos globais, mesmo quando não se baseiam em factos históricos concretos.

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