Boatos de que os Estados Unidos poderiam desligar o sinal do Global Positioning System (GPS) para o Brasil, em meio a atritos recentes entre os dois governos, ganharam espaço nas redes sociais. A hipótese foi apontada como ameaça direta a atividades econômicas que utilizam coordenadas geográficas para navegação e monitoramento. Contudo, uma avaliação histórica e técnica mostra que a vulnerabilidade brasileira não reside no GPS, mas na forte presença de softwares e serviços digitais norte-americanos.
A disponibilidade pública do sistema de navegação por satélite norte-americano é praticamente contínua desde 1978. Entre 1990 e 2000, o Departamento de Defesa dos EUA aplicava um erro aleatório de até 100 metros no sinal civil, prática conhecida como “Selective Availability”. Em 1999, no auge de um conflito com o Paquistão, a Índia solicitou acesso ao sinal sem interferência e recebeu resposta negativa de Washington. Esse episódio precipitou uma corrida global por alternativas independentes.
Além do russo GLONASS, operacional desde 1982, outras quatro constelações surgiram após o incidente: o chinês BeiDou (2000), o europeu Galileo (2005), o japonês QZSS (2010) e o indiano NavIC (2013). A maioria dos smartphones vendidos no Brasil já combina os sinais desses sistemas para obter maior precisão e resiliência. Na prática, desligar o GPS norte-americano prejudicaria pouco a navegação diária de veículos ou aplicativos de mobilidade, que alternariam automaticamente para satélites de outras nações.
Na aviação civil, a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) exige proficiência dos pilotos em radionavegação baseada em estações VHF instaladas em território brasileiro, conhecidas como VOR. Assim, mesmo que todas as constelações de satélite falhassem simultaneamente, aeronaves que operam no país manteriam procedimentos de aproximação seguros. Já setores como agronegócio, agrimensura e exploração de petróleo que ainda utilizam receptores antigos restritos ao GPS norte-americano podem substituir o hardware por modelos mais novos, compatíveis com múltiplos sistemas globais de navegação.
O foco real de preocupação, segundo especialistas, está na dependência de softwares fornecidos por empresas dos EUA. Companhias como Microsoft, Amazon, Google, Meta, Oracle, Dell, Cisco e IBM ocupam posição dominante em sistemas operacionais, plataformas de nuvem, bancos de dados e ferramentas de colaboração usadas em órgãos públicos e na iniciativa privada. Países que enfrentam sanções norte-americanas — Cuba, Irã, Síria, Sudão, Coreia do Norte e Venezuela — são proibidos de adquirir ou atualizar esses produtos, o que afeta desde infraestrutura de rede até operações financeiras.
Embora não existam barreiras técnicas intransponíveis para a substituição dessas soluções, o custo de migração é elevado quando realizado às pressas. A adoção de alternativas de código aberto ou de origem europeia e asiática exige treinamento de equipes, revisão de processos de segurança e reescrita de integrações, o que torna a transição lenta e onerosa em curto prazo.
Na Europa, governos e empresas vêm reduzindo gradualmente a dependência de fornecedores norte-americanos, estimulando projetos locais de computação em nuvem, semicondutores e inteligência artificial. A China, por sua vez, investe em larga escala na produção interna de processadores e na consolidação de um ecossistema próprio de sistemas operacionais, movimento que analistas classificam como parte de uma nova disputa geopolítica no campo tecnológico.
No Brasil, o debate público frequentemente concentra-se em tópicos de menor impacto, como a possibilidade de interrupção do GPS, enquanto questões estruturais ligadas à soberania digital avançam sem a mesma atenção. O país dispõe de data centers modernos, rede de fibra óptica extensiva e profissionais qualificados, fatores que poderiam facilitar a criação de fornecedores nacionais de software e serviços em nuvem.
A inexistência de “segredos industriais” exclusivos nas big techs norte-americanas reforça a viabilidade de soluções domésticas. Entretanto, escolhas estratégicas de longo prazo, incentivos à pesquisa e políticas de fomento serão determinantes para que empresas brasileiras conquistem relevância global e reduzam a exposição a eventuais sanções estrangeiras.
A controvérsia em torno do GPS ilustra a necessidade de avaliar com precisão onde residem as principais vulnerabilidades do país. Enquanto a navegação por satélite pode ser assegurada por múltiplas constelações, a dependência de software proprietário, hospedagem em nuvem e infraestrutura crítica sob controle externo permanece como desafio central para a soberania tecnológica brasileira.
Fonte: coluna “Fala, Ayub”.

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