Estudo mostra porque depressão em idosos continua a ser ignorada

A depressão atinge todas as faixas etárias, mas nas pessoas com mais de 65 anos o problema permanece muitas vezes fora do radar clínico. Investigadores europeus alertam que o estigma, a tendência para interpretar sinais de ansiedade e tristeza como “parte natural do envelhecimento” e a exclusão dos idosos de estudos científicos dificultam o diagnóstico e o tratamento atempado.

Estigma e falhas no primeiro contacto médico

Pascal Schlechter, do Instituto de Psicologia da Universidade de Münster, explica que admitir um problema de saúde mental continua a ser um passo difícil para muitos idosos. Segundo o investigador, o obstáculo não se limita aos próprios doentes: profissionais de saúde também podem confundir manifestações depressivas com queixas físicas típicas da idade, adiando uma avaliação específica.

O contraste é evidente quando se compara a resposta dada a distintos grupos etários. Se um adulto de 30 anos refere perda de interesse nas actividades diárias, o médico tende a questionar a possibilidade de depressão. Quando o relato vem de uma pessoa idosa, o mesmo comportamento pode ser classificado como cansaço ou resultado normal do envelhecimento.

Sintomas semelhantes, interpretação diferente

Num estudo longitudinal da Universidade de Cambridge que acompanhou mais de 11 000 participantes durante 16 anos, Schlechter e colegas concluíram que os sintomas nucleares da depressão — tristeza persistente, sensação de esforço para executar tarefas, dificuldades de mobilidade, sono agitado e solidão — são praticamente idênticos em adultos jovens e mais velhos.

A principal diferença surge na forma como a doença se manifesta: nos idosos, é frequente existirem queixas somáticas, como dores ou fadiga, que os próprios atribuem ao processo de envelhecimento. Este erro de interpretação adia o reconhecimento da patologia, favorece quadros crónicos e dificulta a resposta terapêutica.

Factores sociais amplificam o risco. Reformas, perdas sucessivas de familiares e amigos, alterações de identidade profissional e eventual abuso por cuidadores foram identificados pela Organização Mundial da Saúde como elementos que podem desencadear ou agravar episódios depressivos.

Opções de tratamento e desafios em investigação

Albino Oliveira-Maia, responsável pela Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud, recorda que a medicação continua a ser uma das principais ferramentas terapêuticas na Europa. Contudo, nos idosos há maior probabilidade de interacções com outros fármacos e de toxicidade, exigindo acompanhamento rigoroso.

Além dos antidepressivos, estão disponíveis várias formas de psicoterapia, incluindo terapia cognitivo-comportamental, adaptadas às necessidades de cada utente. Ainda assim, o acesso pode ser limitado quando a mobilidade é reduzida ou existem comorbilidades físicas significativas.

A investigação clínica enfrenta obstáculos adicionais. Regulamentos que excluem participantes com historial de pensamentos suicidas ou com doenças vasculares cerebrais, frequentes na população sénior, reduzem a representação dos mais velhos nos ensaios. De acordo com Oliveira-Maia, esta lacuna retrai o conhecimento sobre a eficácia e a segurança de novos tratamentos neste grupo etário.

Autodiagnóstico e necessidade de avaliação profissional

Campanhas de sensibilização contribuem para derrubar o estigma, mas especialistas alertam para riscos de autodiagnóstico. Entre os mais jovens, a maior exposição aos temas de saúde mental nas redes sociais pode levar a etiquetagem errada de estados de tristeza transitória; nos mais velhos, o fenómeno inverso — negação de sinais claros — continua a prevalecer.

Perante sintomas persistentes de apatia, perda de energia ou alterações do sono, os especialistas recomendam consulta médica. A intervenção precoce, combinando avaliação física e psicológica, aumenta a probabilidade de recuperação e reduz o impacto de complicações associadas.

Os autores dos estudos sublinham que reconhecer a depressão na terceira idade não é apenas uma questão de consciencialização, mas de saúde pública. Uma abordagem que integre médicos de família, psiquiatras, psicólogos e cuidadores poderá reduzir atrasos no diagnóstico e garantir que os idosos recebem cuidados adequados em tempo útil.

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