Estudo revela que homens em relações estáveis reduzem uso de preservativo

Um inquérito nacional a 30 000 homens cisgénero sexualmente ativos indica que o compromisso afetivo influencia decisivamente a utilização do preservativo no Brasil. A análise, publicada na revista Ciência & Saúde Coletiva, resulta de dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em parceria com o Ministério da Saúde.

Metodologia e amostra

O estudo avaliou respostas sobre frequência de uso de camisinha, diagnóstico recente de infeções sexualmente transmissíveis (IST) e orientação sexual. Participaram 30 000 homens adultos, dos quais a maioria se identificou como heterossexual, seguindo-se gay e bissexual. As informações recolhidas permitiram comparar comportamentos entre grupos e cruzar resultados com a situação de coabitação com o parceiro ou parceira.

Diferenças entre orientações sexuais

A percentagem de utilização do preservativo em todas as relações no último ano manteve-se baixa no conjunto da amostra, mas variou consideravelmente consoante a orientação sexual. Entre heterossexuais, apenas 25,7 % declararam uso consistente, ao passo que entre homens gays e bissexuais o valor atingiu 56,3 %. A diferença repete-se quando se observa apenas a última relação sexual: 80,5 % dos casais homoafetivos recorreram à camisinha, contra 41,1 % dos heterossexuais.

Impacto da vida a dois

A coabitação apresentou forte correlação com o abandono do método de barreira. Nos participantes que moram com o companheiro, 37,9 % dos homens gays ou bissexuais mantêm o uso contínuo do preservativo, percentagem que sobe para 62,4 % entre os que vivem separados. O padrão é ainda mais pronunciado nos heterossexuais: somente 13,4 % dos que partilham casa com a parceira utilizam camisinha de forma regular, comparados com 57 % dos que não coabitam.

De acordo com a primeira autora, Flávia Pilecco, da Universidade Federal de Minas Gerais, os resultados reforçam que “o contexto relacional é mais determinante do que a orientação sexual” para explicar a prática de sexo protegido.

Diagnóstico de IST e procura de testes

Apesar da maior adesão ao preservativo, homens gays e bissexuais relataram diagnóstico de IST no último ano em proporção quase dez vezes superior à registada entre heterossexuais: 6 % contra 0,5 %. Os autores sugerem duas explicações possíveis: maior exposição a fatores de risco específicos e, sobretudo, maior frequência de rastreios nesta população. Entre heterossexuais, a perceção de baixo risco pode levar a menos testes e, consequentemente, a subnotificação de casos.

Implicações para políticas públicas

Os investigadores defendem a revisão das campanhas de prevenção, tradicionalmente concentradas em grupos definidos como “de risco”. O estudo conclui que o estado da relação (estável ou não) influencia mais o comportamento de proteção do que a identidade sexual dos parceiros. “É fundamental promover a negociação do uso do preservativo em relações estáveis, independentemente da orientação sexual”, sublinha Pilecco.

Especialistas em saúde sexual, como o urologista Daniel Zylbersztejn, citado na investigação, apontam a necessidade de campanhas segmentadas que utilizem linguagem e referências adaptadas a cada grupo, sem excluir os homens heterossexuais de ações de testagem e aconselhamento.

Confiar ou proteger?

Investigações prévias já indicavam que casais que passam a partilhar residência tendem a abandonar a camisinha, seja pela confiança na exclusividade sexual, seja pela busca de maior prazer. O presente trabalho consolida essa observação ao demonstrar a diferença substancial entre quem vive junto e quem vive separado, tanto em relações heterossexuais como homoafetivas.

Recomendações dos autores

Entre as propostas avançadas estão:

  • Incluir homens heterossexuais em programas de testagem rotineira para HIV, sífilis e hepatites.
  • Desenvolver materiais educativos que abordem negociação de preservativo em relações de longa duração.
  • Incentivar consultas de saúde sexual masculinas desde a adolescência, à semelhança da prática ginecológica no público feminino.

Para os investigadores, ampliar o alcance das mensagens de prevenção e considerar o contexto de vida dos indivíduos são passos essenciais para reduzir a transmissão de IST no país.

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