Fachin condena sanção dos EUA a Moraes e defende autocontenção no STF

São Paulo, 4 de março — O ministro Edson Fachin classificou como “absolutamente indevida” a sanção imposta pelos Estados Unidos ao magistrado Alexandre de Moraes ao abrigo da Lei Magnitsky, medida que congela eventuais activos e restringe transacções com entidades norte-americanas.

Fachin critica interferência externa

Durante uma palestra na Fundação Fernando Henrique Cardoso, no centro de São Paulo, o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que punir um membro do poder judicial pelas decisões que tomou é “um péssimo exemplo de interferência” e uma ameaça já conhecida em contextos autoritários. Fachin recordou que, em democracia, as divergências em relação a sentenças devem ser resolvidas por meio de recursos ou de crítica pública, nunca através de sanções de carácter político-económico.

O ministro sublinhou que a iniciativa norte-americana fere os princípios de independência e autonomia judicial. “Pode-se concordar ou não com as decisões de um juiz; quando não se concorda, recorre-se. Punir dessa forma, sobretudo a partir de um país estrangeiro, representa uma ofensa aos fundamentos básicos da magistratura”, declarou.

Desafio de autocontenção para o Supremo

Ao abordar o actual ambiente político brasileiro, Fachin admitiu que o STF enfrenta um duplo desafio: evitar que a sua actuação seja percebida como covardia e, simultaneamente, não avançar de forma tão acelerada que pareça usurpar competências de outros poderes. “Não se pode ir tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça omissão”, sintetizou.

O magistrado defendeu o reforço institucional de órgãos que, a par do Supremo, sustentam o pacto democrático. Para si, a concentração excessiva de competências numa única instância é contraproducente. “O caminho para uma democracia madura passa menos pela centralização no STF e mais pelo fortalecimento dos demais actores responsáveis pelos freios e contrapesos”, explicou.

Pandemia de autoritarismo populista

Fachin alertou para uma “nova pandemia de autoritarismo populista global” que, segundo ele, atinge tribunais de várias partes do mundo. O ministro considera que o ambiente de contestação às instituições judiciais não é exclusivo do Brasil, mas faz parte de uma tendência internacional que procura minar a credibilidade dos sistemas de justiça.

No caso brasileiro, a tensão voltou a subir depois de Moraes ser sancionado por Washington na semana passada, facto inédito na história da corte. O relator da acção penal que investiga a alegada tentativa de golpe em 2022 tornou-se o primeiro juiz do Supremo a ser alvo directo da Lei Magnitsky.

Fachin condena sanção dos EUA a Moraes e defende autocontenção no STF - Imagem do artigo original

Imagem: noticiasaominuto.com.br

Sucessão na presidência do STF

Edson Fachin assumirá a presidência do tribunal em setembro, quando Rosa Weber concluirá o mandato. Alexandre de Moraes, que hoje ocupa a vice-presidência, passará a ser o número dois da corte. Entre as principais preocupações do futuro presidente está a eventual reacção política caso o ex-presidente Jair Bolsonaro seja condenado no processo sobre a tentativa de golpe, apontada pela Procuradoria-Geral da República como liderada pelo antigo chefe de Estado.

O ministro relembrou que completou dez anos no STF em junho de 2025, tendo sido nomeado em 2015 pela então presidente Dilma Rousseff. Durante a intervenção, insistiu que divergências internas entre magistrados não devem ser interpretadas como crises institucionais. “À política o que é da política, ao direito o que é do direito”, frisou.

Contexto da Lei Magnitsky

A Lei Magnitsky, aprovada nos Estados Unidos em 2012, autoriza o governo norte-americano a aplicar sanções económicas e restrições de visto a pessoas consideradas envolvidas em violações de direitos humanos ou actos de corrupção significativos. No caso de Moraes, Washington alegou abuso de autoridade na condução de processos relacionados com a tentativa de insurreição de 2022.

Fachin afirmou que a medida cria um precedente perigoso para a independência judicial, pois abre espaço para que decisões de tribunais soberanos sejam sujeitas a pressões externas. Para o ministro, cabe ao sistema interno de justiça, e não a governos estrangeiros, avaliar a correcção das sentenças proferidas pelos seus juízes.

Ao encerrar a conferência, o futuro presidente do STF reiterou que o tribunal continuará comprometido com a defesa da Constituição e com o respeito às garantias democráticas, mas insistiu na importância de que outras instituições também assumam a responsabilidade de proteger o regime democrático brasileiro.

Deixe uma resposta