Governo brasileiro estuda Cide para tributar big techs norte-americanas em reação a tarifa dos EUA

O governo do Brasil definiu uma estratégia inicial para criar uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) voltada às grandes empresas de tecnologia que oferecem serviços digitais no país. A proposta, elaborada pela equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, integra a resposta brasileira às tarifas de 50% sobre exportações nacionais impostas pelos Estados Unidos e à investigação comercial recentemente aberta pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR).

A intenção de tributar plataformas majoritariamente controladas por grupos norte-americanos voltou à pauta em meio ao agravamento das tensões bilaterais. Em 9 de julho, o governo de Donald Trump anunciou a nova tarifa sobre produtos brasileiros, justificando a medida com argumentos que incluem críticas a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre conteúdos em redes sociais e alegações de práticas brasileiras consideradas desleais para empresas e trabalhadores dos EUA. Uma semana depois, o USTR formalizou a investigação que abrange temas como restrições à transferência de dados pessoais, o uso do sistema de pagamentos Pix e o comércio de mercadorias pirateadas.

Estrutura do tributo planejado

A Cide em estudo é descrita por técnicos da Fazenda como um imposto de implementação simples, com caráter regulatório. Diferentemente de tributos tradicionais, a contribuição não requer partilha de receitas com estados ou municípios e pode ser instituída por projeto de lei ou medida provisória. O desenho preliminar contempla quatro definições obrigatórias: a base de cálculo (provavelmente a receita obtida com serviços digitais), o domínio econômico afetado, os serviços incluídos e o prazo de vigência.

No cenário internacional, França, Itália, Espanha e Áustria adotam cobranças semelhantes, baseadas em alíquotas incidentes sobre a receita gerada por publicidade on-line, venda de dados de usuários ou intermediação de transações digitais. A França, por exemplo, aplica 3% sobre o faturamento dessas atividades. O modelo europeu serve de referência para a formatação da proposta brasileira, ainda sem uma alíquota definida.

Caminhos legislativos

Uma vez finalizada, a contribuição poderá seguir dois percursos. O primeiro é o envio de projeto ao Congresso Nacional, onde seria avaliada por deputados e senadores. O segundo é a edição de medida provisória, que entra em vigor imediatamente, mas precisa de aprovação legislativa em até 120 dias. Integrantes do Palácio do Planalto afirmam que a escolha dependerá da evolução das negociações diplomáticas com Washington nas próximas semanas.

Durante evento da União Nacional dos Estudantes em Goiânia, Lula sinalizou que o país está pronto para cobrar impostos de empresas digitais estrangeiras como demonstração de soberania. Nos bastidores, contudo, o governo avalia o momento político mais adequado para formalizar a iniciativa, buscando evitar escalada que prejudique outros setores exportadores.

Alternativas em estudo

Se a Cide enfrentar obstáculos, a área econômica preparou duas opções secundárias: elevar a alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) ou aumentar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) especificamente para empresas estrangeiras de serviços digitais. Técnicos consideram essas alternativas mais complexas, pois exigem ajustes em normas já consolidadas e poderiam afetar outras companhias não vinculadas ao embate comercial com os Estados Unidos.

Contexto da disputa

O plano de taxar as big techs circula no governo desde o início do mandato, motivado pela falta de regulamentação específica para a economia digital. A situação ganhou urgência após o anúncio da tarifa norte-americana que passa a valer em 1º de agosto. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, até o momento não houve retorno dos EUA aos pedidos brasileiros de diálogo para reverter ou mitigar a medida.

A investigação conduzida pelo USTR amplia a pressão. Além de questionar a política de proteção de dados do país, o governo norte-americano critica restrições ao envio de informações para o exterior e menciona o combate brasileiro a perfis que propagam desinformação nas redes. A representação comercial dos EUA também cita a Rua 25 de Março, em São Paulo, como exemplo de comércio que supostamente favorece produtos falsificados.

Em paralelo, a equipe econômica brasileira avalia a possibilidade de buscar novos mercados ou diversificar rotas de exportação para reduzir o impacto do tarifaço sobre setores como eletrônicos, que podem registrar aumento de até 10% nos preços internacionais caso a taxação de 50% seja mantida.

Embora o Planalto declare publicamente que se prepara para todos os cenários, a decisão final sobre o modelo de tributação só será anunciada depois de definida a estratégia diplomática. A prioridade, segundo interlocutores, é responder às medidas norte-americanas preservando a competitividade das empresas nacionais, sem perder de vista a necessidade de regular a atuação de gigantes digitais no Brasil.

Fonte: O Globo

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