Lula impõe energia 100% renovável em ZPEs e viabiliza megacentro de dados do TikTok

Brasília — A medida provisória 1.307/25, assinada a 18 de janeiro pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, determina que todas as empresas instaladas em Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) consumam exclusivamente energia gerada por novas fontes renováveis. No mercado, o diploma ganhou os apelidos “MP dos data centers” e “MP Mário Araripe”, numa referência ao fundador da Casa dos Ventos, maior produtora de energia eólica do Brasil.

Regras apertam critérios energéticos nas áreas com benefícios fiscais

As ZPE concentram incentivos tributários destinados a unidades voltadas para exportação. Entre as contrapartidas, as empresas localizadas nessas zonas ficam isentas de vários impostos federais e estaduais sobre consumo, desde que a produção seja enviada ao exterior. A nova norma acrescenta agora a obrigação de contratar apenas eletricidade proveniente de centrais eólica ou solar ainda por construir.

A decisão foi apresentada pelo Governo como factor de atracção de centros de dados internacionais, infra-estruturas com elevado consumo eléctrico e consideradas estratégicas para a transformação digital. No entanto, especialistas do sector observam que a regra também limita a utilização de termoeléctricas a gás natural, fonte preferida por várias tecnológicas norte-americanas, por garantir fornecimento contínuo.

Casa dos Ventos sai na frente com projecto de R$ 50 mil milhões

No Ceará, a Casa dos Ventos prepara um investimento estimado em 50 mil milhões de reais para erguer um data center na ZPE de Pecém, destinado a atender a ByteDance, proprietária da rede social TikTok. De acordo com a empresa, o acordo definitivo ainda não foi assinado, mas a infra-estrutura deverá operar exclusivamente com energia eólica e solar fornecida pelos próprios parques do grupo.

O consumo previsto para o complexo equivale às necessidades de uma cidade com cerca de 2,8 milhões de habitantes. Como o fornecimento de energia a partir de fora da ZPE é classificado como exportação, a transacção beneficiará de isenção de ICMS e de outros tributos sobre consumo, pagando essencialmente Imposto sobre o Rendimento.

A MP prorrogável por até 120 dias permite que contratos assinados durante a sua vigência continuem válidos mesmo se o texto não for convertido em lei. Para concorrentes que ainda analisam projectos, o processo de adaptação a partir do zero pode atrasar acordos e comprometer prazos de ligação à rede do Operador Nacional do Sistema Eléctrico.

O diploma também alarga a possibilidade de empresas prestadoras de serviços dentro das ZPE fornecerem a outras prestadoras ali instaladas. Segundo a Associação Brasileira de Zonas de Processamento de Exportação (Abrazpe), o TikTok solicitou esse ajuste para incluir sistemas de refrigeração, considerados serviços, no pacote de incentivos.

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Sector dividido entre ambição verde e necessidade de fiabilidade

Executivos de tecnologia e de energia divergem sobre o alcance da medida. Alberto Leite, fundador do Grupo FS, alerta para o risco de afastar investimentos num momento em que a procura mundial por capacidade de data center poderá ultrapassar 67 GW adicionais. «Precisamos de escala, velocidade e previsibilidade; a MP, tal como está, restringe esses factores», disse.

Empresas ligadas ao gás natural, como a Energisa e a Siemens Energy, defendem um modelo energético diversificado, argumentando que nenhum país relevante sustenta a sua infraestrutura digital apenas com sol e vento. Por outro lado, fontes do Governo sustentam que conceder incentivos fiscais a termoeléctricas em regime de funcionamento contínuo contraria metas de redução de emissões e a actual política de flexibilização do parque térmico.

Analistas também identificam um possível contorno geopolítico. Ao privilegiar renováveis nas ZPE, o Brasil facilitaria a entrada de operadores chineses, cujo investimento global se concentra em fontes limpas, enquanto certas multinacionais norte-americanas optam por centrais a gás. Contudo, críticos observam que a intermitência de solar e eólica forçará, em alguns períodos, a compra de energia de origem térmica para garantir estabilidade aos centros de dados.

Administrações de ZPE pedem revisão da obrigatoriedade

A Abrazpe considera que a restrição não deveria atingir indústrias tradicionais instaladas nas zonas de exportação, alegando que estas necessitam de liberdade para escolher a sua matriz energética. A entidade defende ajustes no texto durante a tramitação no Congresso, de forma a preservar competitividade e evitar distorções entre diferentes sectores.

Até ao momento, o Governo federal não comentou publicamente as críticas. A medida provisória aguarda agora análise de deputados e senadores, que poderão mantê-la, alterá-la ou rejeitá-la antes do prazo de 120 dias.

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