Relatório da MSF acusa esquema de ajuda em Gaza de provocar mortes em massa

Médicos Sem Fronteiras (MSF) divulgou esta quinta-feira um relatório que descreve uma vaga de mortes e ferimentos entre civis palestinianos durante a distribuição de alimentos na Faixa de Gaza. De acordo com a organização, pessoas famintas e desarmadas foram atingidas a tiro enquanto tentavam receber mantimentos fornecidos pela Fundação Humanitária de Gaza (FHG), entidade apoiada pelas autoridades israelitas e pelos Estados Unidos.

Dados clínicos apontam para disparos direccionados

Entre 7 de Junho e 24 de Julho de 2025, clínicas da MSF em Al-Mawasi e Al-Attar trataram 1 380 feridos provenientes dos centros da FHG, incluindo 28 pessoas que chegaram sem vida. Setenta e uma vítimas eram crianças e adolescentes; 25 tinham menos de 15 anos. Segundo o documento, 11 % dos pacientes registados em Al-Mawasi apresentavam ferimentos na cabeça ou pescoço, enquanto 19 % tinham lesões no tórax, abdómen ou costas. Nos centros de Khan Yunis, os disparos afectaram maioritariamente os membros inferiores.

A análise das lesões leva a MSF a concluir que houve “ataques intencionais” a civis dentro dos pontos de distribuição. A organização afirma que a precisão anatómica dos ferimentos não é compatível com tiros acidentais ou indiscriminados.

Funcionamento militarizado dos centros de assistência

O relatório descreve a FHG como um esquema altamente securitizado: todos os seus centros operam em zonas sob controlo total das Forças de Defesa de Israel e contam com seguranças privados armados, contratados a empresas norte-americanas. Para a MSF, esta estrutura elimina a hipótese de ausência de supervisão militar nas distribuições.

Em Maio, Israel substituiu o mecanismo de ajuda coordenado pela ONU pela FHG, justificando a mudança com a necessidade de impedir desvio de mantimentos pelo Hamas. A MSF contesta o argumento e considera que o novo sistema “institucionaliza” a escassez alimentar imposta desde 2 de Março, quando entrou em vigor um cerco total à Faixa de Gaza.

Mortes em meio a tumultos e esmagamentos

Além dos ferimentos causados por armas de fogo, a organização registou 196 casos de lesões relacionadas com pisoteamentos, sufocação e tumultos nos pontos de distribuição. Entre as vítimas constam um menino de cinco anos com traumatismo craniano grave e uma mulher que morreu por asfixia. A MSF qualifica o ambiente nos centros como “caótico”, onde a fome e o medo criam situações de pânico colectivo.

Controvérsia sobre responsabilidades

O documento não atribui diretamente às forças israelitas cada morte registada, mas relaciona a actuação da FHG com a sucessão de incidentes letais. A ONU contabiliza mais de 1 300 palestinianos mortos por disparos de militares de Israel enquanto procuravam ajuda, a maioria nas imediações das instalações da fundação.

Relatório da MSF acusa esquema de ajuda em Gaza de provocar mortes em massa - Imagem do artigo original

Imagem: noticiasaominuto.com.br

Questionada sobre as acusações, a FHG negou que tenham ocorrido fatalidades nos seus centros e alegou que os episódios mais graves ocorreram junto de outros comboios humanitários. Já fontes militares israelitas referem ter recorrido a “tiros de advertência” contra pessoas que se aproximavam de forma considerada ameaçadora.

MSF pede suspensão do financiamento

Perante os dados recolhidos, a MSF exige o fim imediato do apoio político e financeiro à FHG e defende o regresso de um sistema de distribuição coordenado pelas Nações Unidas. A organização humanitária considera que a estrutura actual transformou os locais de assistência num “laboratório de crueldade” e alerta para o risco de agravamento da crise alimentar caso o modelo se mantenha.

A publicação do relatório representa uma tomada de posição invulgarmente contundente por parte da MSF, conhecida pelo princípio de neutralidade em zonas de conflito. A entidade sublinha que raramente testemunhou “níveis tão sistemáticos de violência” contra civis desarmados ao longo dos seus 54 anos de operações.

Até ao momento, nem Israel nem os Estados Unidos responderam formalmente às recomendações da MSF. A ONU mantém o apelo para que as partes garantam acesso seguro e sem restrições à ajuda humanitária, sublinhando que a situação de insegurança alimentar em Gaza continua crítica.

Deixe uma resposta