Relatório preliminar sobre queda do voo Air India 171 amplia controvérsia ao apontar corte de combustível logo após a decolagem

O relatório preliminar sobre o acidente com o voo Air India 171, divulgado em junho, esperava-se trazer algum alívio às famílias das 260 vítimas, mas acabou intensificando as dúvidas sobre o que provocou a tragédia. O documento de 15 páginas confirma que, poucos segundos depois da decolagem em Ahmedabad, ambos os interruptores de controle de combustível do Boeing 787, de 12 anos de uso, foram posicionados em “cut-off”, interrompendo o fluxo de combustível e provocando a perda total de potência nos motores — procedimento normalmente executado apenas após o pouso.

A gravação do cockpit registra um dos pilotos perguntando ao outro por que ele “fez o cut-off”. O colega responde que não o fez. O trecho, entretanto, não identifica quem disse cada frase. Naquela fase do voo, o primeiro-oficial, Clive Kunder, 32 anos, conduzia o avião, enquanto o comandante, Sumeet Sabharwal, 56, monitorava os instrumentos. Juntos, somavam mais de 19 mil horas de voo, quase metade em aeronaves 787, e haviam passado por todas as verificações médicas antes da partida.

Instantes depois de os interruptores voltarem à posição normal, o sistema automático iniciou a religação dos motores. No momento do impacto, um deles já recuperava empuxo, enquanto o outro havia reacendido, mas ainda sem potência estabilizada. A aeronave permaneceu no ar por menos de um minuto antes de atingir um bairro densamente povoado da cidade, matando todas as pessoas a bordo e vários moradores em terra.

Desde a publicação do relatório, agências como Reuters e Wall Street Journal divulgaram que “novos elementos” estariam direcionando as atenções ao comandante. O jornal italiano Corriere della Sera relatou, citando fontes não identificadas, que o primeiro-oficial teria questionado repetidamente o motivo de o capitão “ter desligado os motores”. As especulações levaram o Bureau de Investigação de Acidentes Aeronáuticos da Índia (AAIB) a classificar as reportagens como “seletivas e não verificadas”, lembrando que a apuração completa pode levar cerca de um ano.

Nos Estados Unidos, a presidente do NTSB, Jennifer Homendy, órgão que auxilia a investigação, afirmou em rede social que as informações divulgadas são “prematuras e especulativas”. Entidades que representam pilotos na Índia também reagiram. A Associação Indiana de Pilotos Comerciais chamou a antecipação de culpas de “temerária”, e a Alpa India disse que “a especulação superou a transparência”, defendendo, além da análise do gravador de voz, o exame minucioso do histórico de manutenção da aeronave.

No centro da polêmica está a curta transcrição divulgada do gravador de voz. A íntegra, com identificação clara dos interlocutores, deve constar apenas do relatório final. Especialistas consultados apontam diferentes hipóteses. Caso um piloto tenha movido os interruptores sem perceber, a negativa posterior poderia ser reflexo de confusão. Se alguém os acionou de forma deliberada, o diálogo poderia ter sido registrado já com a intenção de desviar suspeitas. Há ainda a possibilidade de falha no sistema eletrônico de controle de motores (FADEC), capaz de cortar combustível se receber sinais incorretos de sensores, embora esse cenário perca força porque a exclamação sobre o “cut-off” foi posterior à movimentação dos interruptores.

A ausência de toda a transcrição gerou questionamentos sobre o motivo de apenas uma linha ter sido revelada: se os investigadores já sabem quem falou e optaram por sigilo, ou se ainda buscam confirmar as vozes antes de divulgar conclusões. Para analistas, a conjugação do áudio com os dados gravados pelo Flight Data Recorder será fundamental para esclarecer a sequência exata de eventos e eventuais alertas emitidos no painel.

Enquanto isso, outras teorias continuam circulando. Jornais indianas mencionaram um possível incêndio elétrico na cauda. Contudo, o relatório preliminar sustenta que a parada dos motores decorreu exclusivamente do corte de combustível, fato corroborado pelos registros eletrônicos. Uma ignição na cauda, se ocorreu, teria sido consequência do impacto, alimentada por combustível derramado ou baterias danificadas, segundo um investigador independente.

O chefe do AAIB, GVG Yugandhar, enfatizou que o documento inicial descreve apenas “o que” aconteceu e que ainda é cedo para conclusões definitivas. O objetivo do relatório final será apontar causas raízes e recomendações de segurança. Até lá, os próprios especialistas admitem dois caminhos principais: ação deliberada ou inadvertida dos pilotos, ou algum problema de automação ainda não detectado. Resta saber se as respostas virão ou se algumas dúvidas permanecerão sem solução.

Fonte: BBC

Deixe uma resposta