Rússia rompe moratória e admite posicionar mísseis de alcance intermédio

A Federação Russa deixou de se considerar vinculada à moratória que, desde 2019, travava a colocação de mísseis terrestres de alcance intermédio equipados com ogivas nucleares, abrindo a porta a um novo ciclo de posicionamentos militares na Europa e noutras regiões.

Motivos apontados por Moscovo

Em comunicado divulgado esta segunda-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo atribuiu a decisão aos programas norte-americanos destinados ao mesmo tipo de armamento e à preparação da sua instalação em território europeu. O texto refere, de forma explícita, os planos dos Estados Unidos para estacionar os mísseis Typhoon e Dark Eagle na Alemanha a partir do próximo ano.

Segundo Moscovo, estas iniciativas criam “potenciais destabilizadores” junto das fronteiras russas, constituem uma “ameaça direta” à segurança nacional e acarretam “consequências prejudiciais” para a estabilidade regional e global. O Kremlin alerta ainda para o risco de uma “escalada perigosa” entre potências nucleares.

Kremlin sem limitações e à espera de dados

Questionado sobre o local e a data de eventuais implantações, o porta-voz Dmitry Peskov afirmou que “não é algo a anunciar com antecedência” e sublinhou: “A Rússia já não tem limitações e tem o direito de agir se tal se revelar necessário”.

O executivo acrescenta que as futuras decisões serão tomadas após uma análise interdepartamental, considerando a dimensão da presença de mísseis terrestres norte-americanos ou de aliados na Europa e a evolução geral do quadro de segurança internacional.

Novo sistema Oreshnik no horizonte

Ainda sem calendário definido, Vladimir Putin anunciou anteriormente a intenção de deslocar o míssil Oreshnik — testado pela primeira vez na guerra da Ucrânia em novembro — para território da Bielorrússia, aliada de Moscovo. Capaz de transportar ogivas convencionais ou nucleares, o Oreshnik possui alcance suficiente para atingir qualquer ponto da Europa, de acordo com o chefe das forças de mísseis russas.

O presidente russo descreve o armamento como praticamente imune a sistemas de defesa, graças a múltiplas ogivas que mergulham sobre o alvo a velocidades até Mach 10. Putin sustenta que um ataque convencional com vários Oreshnik pode ter efeitos comparáveis a um embate nuclear.

Contexto do tratado INF e receios de nova corrida

Os mísseis de alcance intermédio — 500 a 5 500 quilómetros — foram proibidos pelo Tratado INF, assinado em 1987 entre Washington e Moscovo. Ambas as capitais abandonaram o acordo em 2019, após mútuas acusações de violação. Na altura, o Kremlin impôs voluntariamente uma moratória, comprometendo-se a não instalar este tipo de armamento enquanto os Estados Unidos não o fizessem.

A retirada da moratória reacende o receio de um cenário semelhante ao da década de 1980, quando a colocação de mísseis norte-americanos e soviéticos no continente europeu fez crescer o risco de decisões precipitadas e de um conflito nuclear motivado por falsos alertas.

Reação de figuras chave

Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança russo, classificou a medida como resultado da “política anti-russa” da NATO e avisou que “todos os opositores terão de lidar com esta nova realidade”, deixando em aberto “novos passos”.

Do lado norte-americano, o ex-presidente Donald Trump ordenou na sexta-feira o reposicionamento de dois submarinos nucleares, justificando a decisão com declarações recentes de Medvedev e com a aproximação do prazo que definiu para Moscovo aceitar um acordo de paz na Ucrânia.

Armas com tempo de reação reduzido

Especialistas em controlo de armamento alertam que os mísseis de alcance intermédio diminuem significativamente o tempo disponível para avaliação e resposta, aumentando a possibilidade de erro de cálculo. Esta característica é apontada como o principal elemento desestabilizador num eventual confronto entre potências nucleares.

Com a moratória agora revogada, o cenário internacional enfrenta a perspetiva de uma nova fase de posicionamentos militares na Europa e noutras regiões estratégicas, dependente das próximas decisões tanto de Moscovo como de Washington.

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