Suspensão de despejos na Antinha de Baixo trava ação e dá fôlego a 1,6 mil moradores

Santo António do Descoberto (GO) – A 1.ª Vara Cível do município decidiu encaminhar para a Justiça Federal o litígio que envolve a fazenda Antinha de Baixo, medida que interrompe novas ordens de despejo na comunidade onde vivem cerca de 1 600 pessoas.

Transferência de competência impede novas remoções

A decisão foi tomada na terça-feira, 5 de agosto, dois dias depois de começarem as desocupações determinadas pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). Com o processo agora sob jurisdição federal, ficam suspensas futuras execuções de posse até que o mérito seja analisado.

O despacho não revoga determinações anteriores, pelo que 32 habitações já esvaziadas permanecem na posse dos herdeiros de Luiz Soares de Araújo, Raul Alves de Andrade Coelho e Maria Paulina Boss – esta última tia do governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Alguns dos imóveis foram demolidos por maquinaria contratada por Murilo Caiado, empresário e um dos herdeiros, que acompanhou as operações no início da semana.

Origem do conflito e alegações da comunidade

O litígio remonta a processo que atribuiu a propriedade da área a apenas três pessoas, contrariando escrituras exibidas pelos atuais ocupantes. Moradores sustentam que adquiriram os terrenos legitimamente em cartório e que a região poderá ter sido habitada por uma comunidade quilombola há cerca de quatro séculos.

Com base nessa hipótese, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) solicitou à Advocacia-Geral da União (AGU) intervenção no processo, argumento que levou o juiz estadual a reconhecer a competência federal. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelece que eventuais territórios quilombolas devem ser analisados pela Justiça Federal.

Reações dos moradores

Na madrugada de segunda-feira, quando as viaturas da Polícia Militar de Goiás e seguranças privados chegaram ao local, os habitantes tiveram poucas horas para retirar bens e animais. Katleen Silva, agricultora de 38 anos, relatou perda de galinhas e necessidade de deixar a piscicultura a cargo de um vizinho que, por ser considerado vulnerável, pôde permanecer na propriedade por enquanto.

A suspensão das ordens trouxe misto de alívio e frustração. Mário Silva, agricultor familiar, sublinhou que os moradores “possuem escritura e documentos de compra e venda”. Para a professora Railda Oliveira, com 33 anos de residência na região, persiste a tristeza pelas famílias já desalojadas. “Muitas casas foram destruídas antes da decisão; agora precisamos garantir que ninguém mais seja removido e que haja compensação para quem perdeu tudo”, afirmou.

Implicações políticas e posição oficial

A relação familiar entre alguns herdeiros e o governador de Goiás motivou críticas dos habitantes, que alegam pressões e ameaças mesmo após o despacho judicial. Em nota, a Secretaria de Comunicação do governo estadual declarou que Ronaldo Caiado não integra o processo e que um parentesco em quarto grau não implica envolvimento em atos relativos ao caso.

Próximos passos na Justiça Federal

Com a questão nas mãos da Justiça Federal, será analisada a possibilidade de reconhecimento da área como território tradicional quilombola. Caso esta condição seja comprovada, o processo pode resultar na anulação definitiva das ordens de despejo e na titularidade coletiva da terra em favor da comunidade.

Até lá, permanece a incerteza sobre o futuro das 32 casas já derrubadas e sobre a reparação aos seus proprietários. A comunidade aguarda ainda uma avaliação do Ministério Público Federal para apurar eventuais responsabilidades nas demolições efectuadas enquanto decorria a mudança de competência.

Moradores, entidades de apoio rural e órgãos federais planeiam reuniões nas próximas semanas para definir estratégia jurídica conjunta. Enquanto isso, a decisão desta terça-feira garante, pelo menos temporariamente, a permanência de cerca de 1 600 pessoas nas suas casas na Antinha de Baixo.

Deixe uma resposta