Tensão persiste em Suweida apesar de cessar-fogo frágil entre drusos e beduínos

Suweida, Síria – Quatro dias após o envio de tropas governamentais para impor um cessar-fogo, a província de Suweida continua marcada por confrontos sectários que, segundo estimativas, já deixaram mais de 1.000 mortos. A trégua entre combatentes drusos e milícias beduínas se mantém, mas autoridades e moradores descrevem o ambiente como extremamente instável.

Deslocamento sob risco

Na segunda-feira (data da tentativa de acesso), uma equipe conseguiu avançar até cerca de dez quilômetros do centro de Suweida, limite considerado seguro pelas forças de segurança. Um comandante do Exército sírio alertou para a presença de atiradores drusos ao longo da estrada, principal ameaça para qualquer deslocamento na região.

O trajeto revelou vilarejos drusos abandonados e agora sob controle total das tropas de Damasco. Lojas queimadas, fachadas destruídas e cartuchos espalhados nas calçadas evidenciam que a rodovia funcionou como linha de frente nos últimos dias. A cada poucos quilômetros, pequenos grupos de soldados, uniformizados de preto, descansavam armados enquanto tomavam chá.

Milícias beduínas mobilizadas

Perto da entrada sul da província, centenas de combatentes beduínos ocupavam o acostamento, identificáveis pelos lenços vermelhos e brancos. Mesmo diante da presença do Exército, muitos efetuavam disparos para o alto, sinalizando disposição para retomar os combates caso o acordo fracasse. Segundo líderes tribais, a libertação de feridos beduínos ainda retidos na cidade é condição para o cumprimento total da trégua.

“Se os drusos não respeitarem o pacto, voltaremos a Suweida, mesmo que se torne nosso cemitério”, declarou um dirigente beduíno consultado antes da suspensão dos ataques.

Acusações mútuas e denúncias

Fações drusas acusam as forças governamentais de terem auxiliado os beduínos, incluindo relatos de execuções sumárias. Do lado oposto, combatentes tribais afirmam que membros da comunidade continuam mantidos como reféns. Até o momento, não há verificação independente que confirme as denúncias.

Assistência médica limitada

A situação humanitária permanece crítica. A Meia-Lua Vermelha Síria realizou algumas evacuações de feridos para hospitais na vizinha Deraa, mas equipes relatam dificuldades constantes. No principal centro médico local, há déficit de medicamentos, material de primeiros socorros e capacidade cirúrgica, de acordo com a coordenadora Riham Bermawi. Ela relatou tiros de franco-atiradores contra ambulâncias, fator que inviabilizou novas missões no mesmo dia.

Entre os pacientes transferidos está Ahmed, 27 anos, soldado do Exército sírio atingido por estilhaços de um lança-foguetes. Ainda de uniforme e apoiado em muletas, ele descreveu cenas de “casas incendiadas” e mortes de civis, incluindo crianças, mas esses relatos não foram confirmados de forma independente.

Cenário político mais amplo

Os confrontos em Suweida representam o episódio sectário mais grave desde a revolta que, no fim do ano passado, levou o líder islamista Ahmed al-Sharaa ao poder, encerrando décadas de governo da família Assad. Para o ministro de Gestão de Desastres e Resposta a Emergências, Raed al-Saleh, a superação da crise exige cooperação entre todas as comunidades. Em visita a um abrigo para deslocados na província, ele declarou que “sábios locais” podem contribuir para restaurar paz e justiça.

Apesar de apelos oficiais, a realidade no terreno sugere que a violência pode reacender a qualquer momento. Atiradores drusos ainda controlam trechos estratégicos, enquanto milícias beduínas mantêm posições e ameaçam retaliar se exigências não forem atendidas. Para moradores que permaneceram ou tentam regressar, o medo de novos confrontos e a falta de serviços básicos transformam a coexistência em desafio diário.

Enquanto o cessar-fogo se sustenta por ora, a combinação de queixas não resolvidas, presença de armamento pesado e escassa mediação externa aponta para um futuro incerto na província. A continuidade do acesso humanitário, a evacuação de feridos e a libertação de supostos reféns são considerados passos essenciais para evitar a retomada das hostilidades e reduzir o número já elevado de vítimas.

Sem garantias de segurança, organizações médicas e civis avaliam risco a cada deslocamento. A estrada principal, marcada por postos de controle improvisados e carcaças de veículos, permanece símbolo da fragilidade do acordo. Qualquer incidente localizado tem potencial para desestabilizar o pacto e reacender a violência que devastou a região na última semana.

Por enquanto, o futuro de Suweida repousa sobre um frágil equilíbrio: de um lado, a promessa governamental de manter a ordem; de outro, grupos armados que não descartam o retorno imediato às armas. Entre eles, civis feridos, deslocados e uma infraestrutura arruinada aguardam sinais concretos de uma paz duradoura.

Fonte: BBC News

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